terça-feira, 21 de abril de 2009

Mártires modernos


Criança de 5 anos morre ao cair de prédio em SP
Polícia não acredita em acidente, pois havia manchas de sangue no quarto dela.
Pai e madrasta da menina passaram por exames toxicológicos.

Uma menina de 5 anos morreu após cair do sexto andar de um prédio de classe média localizado na Rua Santa Leocádia, na região do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, por volta das 23h50 deste sábado (29). Segundo o Corpo de Bombeiros, a criança chegou a ser levada para a Santa Casa de Misericórdia, onde morreu. A polícia ainda não sabe a causa da queda, mas descarta que tenha sido um acidente. (...)
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Rapaz mantém duas adolescentes de 15 anos reféns em Santo André
Uma das jovens seria uma ex-namorada. Polícia mantém prédio isolado e negocia libertação de reféns.

Um rapaz de 23 anos, armado com um revólver, mantém reféns duas adolescentes, ambas com 15 anos, desde pelo menos 13h30 desta segunda-feira (13), num apartamento de um conjunto habitacional de Santo André, na região do Grande ABC, segundo versão da Polícia Militar (PM). (...)
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Menino morre ao ser arrastado por carro em assalto
Mãe e filho foram abordados por criminosos no subúrbio do Rio.
Criança foi arrastada por mais de quatro quilômetros.


Um menino de seis anos morreu ao ser arrastado durante quatro quilômetros, depois do carro em que estava ter sido assaltado por volta das 21h30, desta quarta-feira (7), no bairro Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio. (...)
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Não é necessário ser um assíduo leitor de jornais e sites jornalísticos e nem a pessoa mais “antenada” para reconhecer facilmente as personagens principais dos trechos das notícias supracitadas. E com um pouco mais de atenção é possível perceber que o que deveriam ser fatos puramente jornalísticos foram, nestes casos, pontapé inicial para que essas tragédias transformassem Isabella Nardoni, Eloá Pimentel e João Hélio em protagonistas de alguns dos maiores espetáculos midiáticos dos últimos tempos. A mídia que, muitas vezes, acaba esquecendo-se da imparcialidade e do único intuito de informar à população, cria shows bizarros e explora tragédias com o único intuito de ganhar audiência. Não há no país pessoa que não se recorde, ao menos, de alguns detalhes dessas histórias ou até mesmo dos acontecimentos por completo, tendo em vista a cobertura incisiva dos meios de comunicação.

A mídia utiliza-se desse tipo de acontecimento e do martírio dos envolvidos aproveitando-se do fato de que o ser humano é, por instinto, incapaz de administrar certos conflitos, entre eles, a violência, e tem a necessidade de exteriorizar esses sentimentos com o qual não sabe lidar. Segundo o psicanalista Claudio Marcos Picazio, “O humano não sabe lidar com suas questões de limite, como perda, raiva, frustrações. Precisamos olhar para os limites externos, dos outros. Afinal, todos já quisemos alguma vez matar alguém”. Desta forma, as pessoas permanecem acompanhando essas tragédias televisivas, como uma novela, capítulo a capítulo, à espera do desfecho e ainda, de um final feliz, e a mídia utiliza-se do sentimento de revolta e da curiosidade causados na população para produzir cada vez mais conteúdo à respeito dos acontecimentos, sejam ou não relevantes em relação ao próprio caso, para também suprir a necessidade de “mostra algo novo” ao ansioso telespectador, sempre visando a exclusividade.

Retomando o caso Eloá, a menina de 15 anos que, após ser feita refém por 100 horas pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, foi morta em seu apartamento no ABC Paulista, verificamos um dos maiores exemplo de martirização das vítimas da violência. A cobertura da mídia (TV, rádio, internet, etc.) deu ao caso um status de show, com cobertura em tempo real, fazendo inclusive com que vários programas de televisão disponibilizassem horários fora da grade de programação jornalística para dar informações sobre o andamento do caso à espera de dar o grande “furo”, o fim da história. E mesmo após o desfecho do caso (a morte da menina após ação desastrosa da polícia), a impressa permaneceu buscando informações relacionadas à garota e a quem mais a conhecesse. Algo em comum entre Eloá, Isabella e João Hélio? Sim. Viraram mártires. A primeira porque após todo sofrimento e o final trágico, teve seus órgãos doados pela família, salvando vidas. A segunda pela incapacidade de se defender das agressões que sofria dos pais e madrasta (assim decretou a mídia) e o terceiro era o puro retrato da inocência e monstruosidade dos bandidos e a crescente violência no Rio de Janeiro. Não há o que se questionar sobre a atrocidade dos crimes e o merecimento de punição severa para os comprovadamente culpados mas o levantamento de provas e informações e julgamento dos culpados cabe à justiça e não a mídia.

Os meios de comunicação, colocando-se nessa posição de apenas buscar ibope, perdem uma grande chance que é a de despertar na população e autoridades o anseio de buscar soluções para resolver o problema da violência pois tão logo apareça uma outra tragédia para suprir as necessidade (da população ou da mídia??), o caso anterior é esquecido e logo um novo espetáculo nos é apresentado. O coordenador de relações acadêmicas da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância, uma associação que busca defender uma cultura que priorize a promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente) afirma: “Os casos são tratados individualizados, não se discutem as políticas de segurança pública. Não se discutem os motivos. No caso Isabella, perdeu-se a discussão sobre a política de combate à violência doméstica. A martirização não alavanca discussões.”.

A mídia, cada vez mais deixa de ser imparcial e informativa, para fazer julgamentos e manipular informações e pessoas em busca de números cada vez mais altos no ibope. A qualquer momento surgirá mais algum caso de violência (ou não!) para manter a mídia na ativa, transformando tudo numa grande competição, onde “ganha” quem conseguir chegar mais perto dos envolvidos, dar mais detalhes, mais cobertura e... induzir a mais conclusões.


FONTE:
TOGNOLLI, C.J. Os Santos da Violência. Revista Rolling Stone. n. 28, p.88-93, 2009

GLOBO.COM, São Paulo, 2008. Disponível em: <
http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL374809-5605,00.html >. Acesso em: 21 abr 2009.

GLOBO.COM. São Paulo. 2008. Disponível em: <
http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL797580-5605,00-RAPAZ+MANTEM+DUAS+ADOLESCENTES+DE+ANOS+REFENS+EM+SANTO+ANDRE.html >. Acesso em 21 abr 2009.

GLOBO.COM, São Paulo, 2008. Disponível em: <
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL4672-5606,00-MENINO+MORRE+AO+SER+ARRASTADO+POR+CARRO+EM+ASSALTO.html >. Acesso em 21 abr 2009.

FOTOS:
http://www.senado.gov.br/JORNAL/noticia.asp?codEditoria=121&dataEdicaoVer=20081027&dataEdicaoAtual=20081027&nomeEditoria=Viol%EAncia

http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/09/09/promotor_denuncia_manobra_dos_nardoni_para_adiar_julgamento_obter_beneficio_igual_ao_de_gil_rugai-548143082.asp

http://www.hnews.com.br/noticia-corpo_de_crianca_e_achado_dentro_de_mala_em_curitiba-2360

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=93997

4 comentários:

  1. O publico quer e eles colocam na tela né.
    Acho que tem algo do que dizia Morin, que a sociedade reprime o lado animal do ser humano e faz ele esse ser humano sociável e ele tem que ter esse lado atuante em algum lugar, ele diz isso falando de filmes violentos, mas acho que serve também para esses "jornais" sensacionalistas.

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  2. Oie!

    A mídia se mostra defensora do povo, dos oprimidos ao fazer de um "fato social" um roteiro manipulado em suas mãos, postando-se como mãe dos pobres, mas ao assumir esta postura em troca de moeda, lucro, o que é na verdade seu interesse, põe em risco muitos casos e vidas, como aconteceu no caso de Eloá, morta por seu ex-namorado, caso que foi transmitido de segundo em segundo por todos os canais de comunicação, ação essa que acredito ter influenciado no fim trágico.

    bjos

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  3. Creio que a pior questão seja a mídia querer tomar o lugar da Justiça, levando os envolvidos para o banco dos réus. E transforar tudo isto também em novela ou reality show é algo de muito mal gosto.

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  4. Justamente, H. Góis! Lembrei-me também das aulas do Zeca do semestre passado. Morin fala no capítulo "Revólver" do livro sobre Cultura de Massa (cujo título não me recordo com exatidão) sobre como o ser humano tem essa dose de "violência" que precisa exteriorizar de alguma forma. A mídia utiliza-se disso para ser a "válvula de escape" desses sentimentos. Ela não só "contribui" para essa exteriorização mas também, a alimenta.

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